Alfama é um verdadeiro labirinto de ruelas tortuosas, de um pitoresco inexcedível, cortadas de becos estreitos como dedos, sobre que se precipitam escadarias lúgubres ou se abrem arcos e postigos, recantos arcaicos, com seus andares de ressalto apoiados a varões oblíquos de ferro ou de madeira, suas empenas que se abrem ao alto, por vezes a fresta quadrada, com balcões de grade ou balaústres, suas janelinhas, poiais floridos de craveiros e seus registos claros de azulejos onde a Virgem se ostenta entre Stº António e São Marçal. De quando em quando as vielas rasgam-se, alcandorando-se a alturas inesperadas, e a vista lava-se então numa nesga do Tejo, debruando ao largo a confusão emaranhada do velho bairro que em baixo mostra os telhados de duas águas. Deve-se ver isto a todas as horas do dia e a todos os dias da semana, para colher em flagrante a nota viva deste bairro que canta as suas empresas na guitarra gemebunda e melancólica.
No primeiro guia de Portugal de 1924 - volume "Lisboa e arredores"